segunda-feira, 26 de março de 2007

Não acabou ainda!

Nas camadas mais pobres da sociedade, muitas famílias não conseguiam se manter só com o trabalho do homem da casa. Por essa razão, esposas e filhas solteiras tinham que complementar a renda familiar, exercendo ofícios considerados femininos, tais como os de empregada doméstica, costureira, modista e profissões ligadas à alimentação. Catherine Hall, na obra “História da Vida Privada”, volume 4, escreveu algo interessante sobre isso: “No começo da década de 1840 (...) já estava bem assente que uma burguesa que trabalhasse para ganhar dinheiro não era feminina. No caso do trabalho das mulheres pobres, as normas eram um pouco diferentes. As mulheres podiam ter um ofício, se fosse um prolongamento de seu papel feminino ‘natural’.”

Embora fossem trabalhos considerados “de mulher”, não pense que eram atividades leves. Pelo contrário, a vida de empregada doméstica (ao lado) era bastante dura, com longas jornadas de trabalho, salários muito baixos e, às vezes, sujeita a abusos por parte do patrão. As costureiras trabalhavam longas horas, eventualmente noite adentro, para entregarem os vestidos no prazo.

É importante notar que a mulher continuava tendo a responsabilidade de cuidar da casa, filhos e marido além de ter um emprego fora do lar. Por isso, nota-se que a vida dessas mulheres era bastante dura, dividida entre a família e trabalhos fora de casa. Além disso, famílias desestruturadas não eram coisa rara e muitas moças tinham que se virar como podiam. Nesse cenário, mesmo em meio à moral vitoriana, muitas garotas ingressaram na prostituição.

A maioria delas entrava para esse mundo no fim da adolescência. Era uma vida perigosa, pois doenças sexualmente transmissíveis (em especial a sífilis e a gonorréia) estavam se espalhando, tanto que o Parlamento aprovou em 1864 o primeiro dos “Contagious Diseases Acts” (Atos de Doenças Contagiosas), que permitiam a inspeção de mulheres cuja saúde era motivo de suspeita. Também haviam locais especializados no tratamento dessas doenças, embora as técnicas utilizadas não fossem as mais eficazes.

Como foi possível ver, o século XIX foi uma época de transição entre a mulher típica do século XVIII e a nova mulher do século XX. Conquistas importantes foram atingidas, abrindo caminho para outras conquistas mais radicais que garantiram maior igualdade entre o homem e a mulher na maior parte do mundo capitalista. Porém, mesmo nesses locais, algumas mulheres sofrem com salários mais baixos, discriminação e abusos. Em algumas partes do globo, a porção feminina da população é alvo de violência muito forte, como mutilações e cerceamento de liberdade. Espero que essa situação mude, mesmo que aos poucos, como foi o caso do início da emancipação feminina do século XIX.

Bibliografia:

domingo, 25 de março de 2007

Algumas inovações

A classe média inglesa (composta por donos de fábricas, banqueiros, comerciantes, advogados e por outros profissionais), especialmente a partir de 1880, se tornou o berço da emancipação feminina nesse país. Já veremos o porquê disso, mas vou dar uma dica: a necessidade é a mãe da invenção.

Nessa classe, as obrigações da mulher casada eram similares às das mulheres da aristocracia: cuidar dos filhos, do marido e dirigir a casa (sendo que grande parte dos lares possuía empregadas). Da mesma forma, tinham limitações semelhantes (inferioridade frente ao homem, sem representação política, poucos direitos frente ao marido).

Porém, algumas famílias de classe média não tinham condições de “manter suas filhas com todo o conforto, quando elas não casavam nem trabalhavam” (Eric J. Hobsbawm, A Era dos Impérios 1875-1914, p. 285). Por essa razão, os pais tinham necessidade de dar um pouco mais de liberdade às filhas, especialmente em relação a empregos e estudo.

Ao mesmo tempo, estavam ocorrendo mudanças na economia da Inglaterra. A Segunda Revolução Industrial havia se implantado desde o início do século XIX, mas se desenvolveu notoriamente entre 1870 e 1890, aumentando a quantidade de empregos para mulheres, especialmente em lojas e escritórios. “Na Inglaterra, o governo central e local empregava 7.000 mulheres em 1881, mas 76.000 em 1911” (Eric J. Hobsbawm, A Era dos Impérios 1875-1914, p. 283). Da mesma forma, aumentou o número de professoras primárias na Inglaterra, fruto do desenvolvimento da educação, que, a meu ver, se relaciona intimamente com a Segunda Revolução Industrial, época de numerosos avanços tecnológicos. Assim, especialmente as mulheres de classe média foram beneficiadas com essa mudança no cenário trabalhista feminino. Acima, uma central telefônica. Note o grande número de trabalhadoras.

Outra coisa importante para o aumento do desejo da emancipação feminina foram os movimentos dos operários e dos socialistas em prol dos direitos dos oprimidos. Como as mulheres se encaixavam nesse quadro, algumas até se filiaram a esses movimentos, especialmente mulheres da classe média.

Algo muito importante que ocorreu no final do século XIX foi a campanha das “sufragistas” (ou “suffragettes”, mulheres da classe média), que, como o próprio nome diz, queriam que o voto fosse estendido às mulheres. Elas só conseguiram o direito ao voto depois da Primeira Guerra Mundial. Esse foi um grande passo, pois foi a primeira vez que mulheres inglesas se organizaram e foram contra a opinião da maior parte dos homens e, por isso, passaram a ter representação política. Pensando bem, é um passo enorme, já que algumas décadas antes, pouquíssimas mulheres ousavam ir contra o lema que era marcado na mente das mulheres: o lugar da mulher não é a esfera pública e tudo o que acontece fora de casa não interessa a elas, já que sua compreensão é muito limitada.

Essa idéia de mulher fútil, frágil e dependente estava muito presente nas propagandas de produtos para mulheres, como pode ser percebido na propaganda de sabonete, ao lado. O que é estranho, já que nas lojas e butiques, as freguesas (especialmente de classe média) eram tratadas com muito respeito, porque as mulheres eram clientes extremamente importantes, já que recebiam dinheiro de seus maridos ou ganhavam um salário.

Na próxima parte, a situação das mulheres pobres.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Embora tenham tido vidas diferentes, as mulheres da classe alta, média e baixa na Inglaterra possuíam algo muito importante em comum. Todas elas eram mulheres, e sendo assim, eram consideradas seres inferiores em comparação aos homens. Suas vidas eram voltadas para o casamento e para a maternidade. Dessa forma, “solteironas” eram alvo de preconceito, pois não estavam cumprindo seu papel social. Já encontrei uma relação com a nossa época! Ainda temos esse preconceito contra mulheres mais velhas que não são casadas ou “juntadas”.

Outra coisa importante é que as mulheres só trabalhavam caso não pudessem ser sustentadas por um trabalhador do sexo masculino (seja pai, marido ou filho). Dessa forma, eram economicamente dependentes dos homens.

Agora que já fiz essa observação importante, vamos à vida aristocrática feminina. Quando pensamos nela, nos lembramos especialmente de filmes cheios de belos vestidos, cavalheiros apaixonados, moças de família (bem-comportadas), mansões formidáveis, jóias estonteantes e muito, mas muito romance.

Eu pensava isso, pelo menos. Até me dei conta que gostava da idéia de ter dezenas de vestidos, um castelo cheio de empregados e um belo e riquíssimo marido ao meu lado. O problema é que eu estava maravilhada demais com as aparências para pensar em como era essa vida realmente. Pois então vamos vê-la por dentro.

As pessoas ricas, em geral, casavam entre si. As classes sociais ainda tinham grande importância como barreiras entre pessoas. Dessa forma, por que uma mulher rica e casada com um homem rico não seria independente financeiramente dele? Por duas razões: as famílias passavam a maior parte da herança para os filhos homens. E, além disso, a pequena parte destinada à filha passaria ao patrimônio de seu marido quando ela se casasse. Da mesma forma, qualquer posse que a mulher tivesse quando solteira se tornaria posse de seu marido.

Enquanto solteira, a moça era, desde cedo, preparada para a vida de casada. Isso significa que ela era criada para respeitar a moral da sociedade. Ser uma dama prendada, em outras palavras. Uma governanta contratada pela família lhe dava lições consideradas úteis para as mulheres da época, como ler, escrever, música, pintura, línguas estrangeiras, bordar, costurar e a ter boas maneiras. Às vezes, contas simples de matemática (as 4 operações), mas nada além disso. Afinal, outros conhecimentos não a ajudariam a conseguir um marido, o jeito mais fácil de ter uma vida aprovada pela sociedade.

Enquanto isso, os irmãos da moça tinham aulas em escolas para meninos. Posteriormente, cursariam uma faculdade na qual se preparariam para a vida profissional.

O contato de mulheres solteiras com homens era bastante restrito. Não havia essa interação tátil que conhecemos hoje. Por exemplo: de maneira alguma uma mulher e um homem que acabaram de se conhecer se abraçariam ou apertariam as mãos. Conversas particulares entre pessoas de sexos opostos (que não fossem casadas uma com a outra, lógico) também não eram vistas com bons olhos. Por essa razão, nos bailes, a dança era de uma importância fundamental. Era nessas horas que as pessoas se tocavam e se olhavam sem compromisso, sem o peso da moral na consciência. Isso acontecia na classe média também.

Muitas vezes, o casamento era arranjado pelos pais do casal. Além disso, para se casar com uma moça, o homem não precisava da aprovação dela, mas sim a do futuro sogro. Esses casamentos, muitas vezes sem amor, não raro traziam muita infelicidade ao casal, mas especialmente às mulheres, pois a traição era comum e muitas esposas eram agredidas pelos maridos. Até nos dias de hoje essas coisas acontecem, mas no século XIX era pior: as mulheres tinham que sofrer caladas, porque a moral para os homens era mais liberal. Lógico. Os dominadores ditam as regras e só dominadores burros fariam regras que os prejudicassem. Assim, o homem que tivesse amantes não sofreria nada por isso, mas uma mulher adúltera cairia em desgraça por toda a sua vida. Isso valia para todas as mulheres da sociedade inglesa.

Quando casadas, já vimos que elas eram dependentes financeiramente de seus maridos. Em casa, lugar da mulher nessa época, sua vida se restringia a dirigir o lar (pois o serviço era feito por empregados), cuidar dos filhos e do marido, se arrumar de acordo com o gosto masculino e a moda da época e realizar tarefas femininas como bordar. Eventualmente ocorriam bailes e encontros da alta sociedade, normalmente organizados por elas, para diversão e para que seus maridos conhecessem novas pessoas, como contatos importantes para a vida profissional. Elas não tinham representação política, sendo que a única influência que poderiam exercer era através de seus maridos. É importante lembrar, também, que nessa época as mulheres eram peritas na arte da persuasão. Faziam até chantagem emocional! Mas, bem, fazemos isso até hoje.

A moda no século XIX foi bastante variada. Vários estilos de vestidos e adereços. Porém, algumas coisas devem ser destacadas por serem interessantes. A roupa de baixo das mulheres, usada por baixo do espartilho era uma peça inteiriça e que chegava até as canelas. As luvas, tanto longas quanto curtas, eram itens indispensáveis para as damas quando elas saíssem de casa. Em 1850 a moda eram os vestidos com saias extremamente amplas. Uma invenção muito interessante dessa época é a crinolina. Era como uma saia de armação formada por anéis de metal. Imagine sentar com aquilo! Também surgiram, nessa época, os trajes de banho. Para quem é apaixonado por vestidos, recomendo uma olhada na página da wikipedia http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_Western_fashion e na página http://www.museumofcostume.co.uk/.

Há algo muito engraçado relacionado ao banho de mar e à moral vitoriana. Sabemos que os ingleses eram muito conservadores em relação à sexualidade. Por esse motivo, era inaceitável para a época a idéia de pessoas (em especial, mulheres) sendo vistas pelo sexo oposto enquanto se banhavam no mar. Por essa razão, foi inventada a bathing machine (algo como “máquina do banho”), que consistia em algo como um mini-vagão com duas portas. A pessoa entrava no vagão e trocava seus trajes por roupas de banho. Enquanto isso, o dispositivo era puxado em direção ao mar por cavalos. A pessoa, então, descia pela outra porta e pronto! Era descer uma escadinha e tomar banho de mar em total privacidade! Quando estivesse pronto para sair, o indivíduo hasteava uma bandeirinha sinalizadora, entrava no vagão, trocava de roupa e esperava ser rebocado para a praia. Só por esse exemplo já dá para ter uma idéia do que era a rigidez da moral vitoriana.

Lá por 1860, os decotes foram deixados de lado. A mulher era coberta da cabeça aos pés. Acredita-se que isso tenha ocorrido exatamente por causa da idéia que o corpo da mulher pertencia ao seu marido e que, por isso, ele não deveria ser exibido a outros homens. Isso me parece semelhante à situação das mulheres islâmicas que ainda são obrigadas a utilizar a burca.

Para as meninas que odeiam esportes e adoram calças, tenho novidades: os esportes foram muito importantes para as mudanças que ocorreram na vestimenta feminina do século XIX. Atividades como andar de bicicleta trouxeram, a partir de 1890, as calças para a vida das mulheres. Sim, elas eram largas e realmente esquisitas, mas são as precursoras do jeans skinny. Nessa mesma época apareceram combinações de camisa e saia, sendo que estas não tinham armações gigantescas.

Amanhã, a vida das mulheres de classe média.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Uma introdução para se situar

Quando estudamos a pré-história, aprendemos que essa época, mesmo sendo tão distante de nós, já possuía papéis definidos para os dois sexos. Enquanto elas ficavam em casa e cuidavam dos filhos, os homens saíam para caçar e sustentavam seu grupo. Mais tarde, com a agricultura, invenção provavelmente feminina (já que elas eram mais fixas às moradias), tanto homens quanto mulheres ficaram sendo responsáveis pelo sustento da família, já que ambos participavam do cultivo de gêneros alimentícios.

Na Europa feudal, a principal atividade econômica era a agricultura e a maior parte da população era composta por camponeses. Numa família camponesa, ocorre algo semelhante ao que ocorria na pré-história: as mulheres eram responsáveis pelo bem-estar das crianças e do marido, mas também ajudavam na lavoura. Dessa forma, não havia uma única pessoa responsável pela renda da família, já que todos ajudavam a ganhá-la.

Com a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, na metade do século XIX, as coisas mudaram. Os interesses do Estado burguês eram muito diferentes de plantar o que era necessário para viver e vender o que sobrasse. A Inglaterra queria enriquecer e, por essa razão, se industrializou, transformando os camponeses em trabalhadores assalariados das indústrias. Embora o termo “assalariado” esteja certo, tenho vontade de rir (rir para não chorar, gente) quando vejo isso escrito em algum lugar. Porque essas pessoas (homens, mulheres e crianças) trabalhavam longuíssimas horas (em torno de doze horas por dia), em péssimas condições de trabalho por um salário tão baixo, mas tão baixo, que para uma família se manter, era necessário que pai, mãe e até filhos trabalhassem nessa quase escravidão. Ainda por cima, mulheres e crianças recebiam salários menores que os homens, embora trabalhassem tão penosamente quanto eles. Isso ocorria porque os patrões sabiam que mulheres e crianças eram menos dados a protestos e, por isso, os exploravam ainda mais.

No século XIX ocorrem mudanças nessa produção amalucada em massa, basicamente por um motivo importante: as indústrias não conseguem vender tudo o que produzem. Não querendo ficar no prejuízo, elas diminuem o ritmo de produção e o número de empregados. Como não há mais tanta oferta de empregos, os homens “empurram” as mulheres para o lar, com o objetivo de diminuir a disponibilidade de mão-de-obra, garantindo mais empregos para a o setor masculino da sociedade. Dessa forma, são os homens que, em sua maioria, ganham o dinheiro que sustenta a família (como procura ilustrar a figura).

É nesse cenário que vou desenvolver o trabalho sobre o universo feminino no século XIX, dividido em três partes: o universo das inglesas ricas, de classe média e das classes mais baixas da sociedade. Amanhã, a vida das mulheres da alta sociedade inglesa.

sexta-feira, 2 de março de 2007


Ok, eu admito: foi a primeira coisa que eu pensei que seria legal escrever. A princípio, o tema "O universo feminino no século XIX" pode parecer meio restrito. Mas pensando bem, entra comportamento, estrutura familiar, moda, conquistas femininas, trabalho, sociedade...
Foi por isso que eu escolhi esse tema: por ser um assunto multifacetado e, na minha opinião, importante. Quero muito ver as diferenças entre a vida das mulheres de hoje e do século XIX. Acredito que sejam muitas, mas tenho curiosidade de ver se a nossa mente é meio século XIX nesse aspecto também.